A 25ª Hora

Hoje é provavelmente o meu dia preferido do ano, aquele em que por obra de um decreto ou uma lei qualquer o dia estica uma hora como se fosse de borracha, e não vou ser negativa e dizer «mas há-de haver um dia que vai encolher e ter só 23 horas», azar, pensarei nisso na devida altura, e achei que com mais uma hora iria conseguir fazer mais coisas, talvez, ainda não é meia noite, mas acabo por fazer mais do mesmo, tira-a-roupa-da-máquina-estende-enche-outra-vez-esvazia-estende-enche-uma-vez-mais, para que quando acabar de lavar tenha já a da loiça prontinha a ligar, enfim, just an ordinary day, o sol está tão bonito lá fora e o coelho sempre a dar às patinhas, toc-toc-toc-toc-toc, e para cúmulo tenho andado disléxica, só a escrever disparates, como o gajo do Crime Ferpecto que andava tão stressado que não conseguia dizer a palavra correctamente, perfecto, saía sempre ferpecto, adiante, começo a falar de uma coisa e quando tal já estou a falar de outra completamente diferente, é a cabeça sempre a trabalhar, a rapidez dos coelhos é lendária - vai ser bom não foi?, diz a piada - estava eu a falar da 25ª hora, o tempo é o bem mais escasso de todos e ainda assim não chega, será que o tempo nos inventou ou fomos nós que o inventámos, criámos os relógios para o medir mas o tempo criou-se a si mesmo, dividimo-lo em horas de sessenta minutos que por sua vez têm sessenta segundos, parece-me que é puramente uma questão semântica, em vez de hora poderia ter sido roha ou haro ou oarh, por exemplo, ou até xiestemosis, porque não, alguém se lembrou da palavra hora e foi o que ficou, e tem sessenta minutos mas poderia ter cinco patelas ou doze macacos - calma, Gillian, não te quero plagiar -, teria graça contarmos o tempo em macacos ou em patelas em vez de minutos, já nem sei o que estou a escrever, devo ter a cabecita confundida com tanta coisa, a 25ª hora torrou-me os miolos, quisemos inventar uma maneira de controlar o tempo mas não é possível controlá-lo, apenas contá-lo, porque é o tempo que nos controla a nós, um tempo que nos devora as entranhas de maneira a tornar a nossa vida uma expectativa constante, uma angústia crescente para saber quantos minutos nos faltam, quanto tempo mais andaremos por cá, e o medo do desconhecido é tanto que fazemos tudo por tudo para prolongar a agonia da nossa existência.

26/Outubro/2008

A ouvir: Sitting on the Dock of the Bay, Otis Redding

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