Monstro das bolachas

Tenho em casa um monstrinho das bolachas que de cada vez que se apanha na cozinha mete-se à frente do armário/despensa a bater na porta e a palrar, ou melhor, a exigir «dá-dá-dá-dá-dááááá», e é giro ver aquela coisinha pequena, uma pessoa em miniatura, já a demonstrar aquilo que quer, enfim, adiante, e lembrei-me de umas bolachas que adorava em pequena, na altura que ainda não precisava de contar os minutos, só aqueles que faltavam até dar os desenhos animados que só davam uma vez por dia e se perdêssemos aqueles, azar, não havia mais, só no outro dia, porque na altura não havia nem Panda nem Nickelodeon nem Disney nem nada, muito menos florisecas e morangos azedos e fora de prazo, e lembrei-me das bolachas que eram redondas e pequenas e sabiam a bolacha e não a corantes e cada uma delas tinha o desenho de um signo do Zodíaco, acho que se chamavam Catraias, e eu ficava furiosa porque só encontrava os Gémeos e os Aquários e os Carneiros, era raro encontrar os Sagitários e pensava aqui para com o meu contador de minutos que raio é que a fábrica das bolachas teria contra os Sagitários, era uma injustiça, coitados de nós, que já não nos bastava fazermos anos em cima do Natal e só recebermos uma prenda que dava para as duas coisas, que grande chatice, para ainda sermos discriminados só porque havia um gajo qualquer que não ia à bola com os centauros que praticam tiro com arco, e pronto, senti uma certa saudade e uma onda de nostalgia a latejar no coraçãozito do Coelho Branco, mas porque diabo é que deixaram de fazer as Catraias, se fazem tanta coisa porque não fazer aquelas bolachinhas para gáudio dos monstrinhos das bolachas como o meu, enfim, tanta coisa que se perdeu, mas ao mesmo tempo há tantas coisas novas que estes pequenos prazeres, como mordiscar as Catraias enquanto se viam os desenhos animados, já não têm importância porque se antes não tínhamos quase nada agora temos tanta coisa que não conseguimos dar conta de tudo, e o ritmo alucinante dos dias de hoje leva-me a pensar que isto não passa de um erro, como se Deus estivesse a assistir ao filme da nossa existência e se tivesse aborrecido tanto que carregou no botão fast forward, ou então que alguém se enganou na velocidade de rotação da Terra e ela está agora a girar mais depressa como se fosse um tapete de corrida do ginásio que se acelerou demasiado (corre, coelhinho, corre, senão cais do tapete).
25/Janeiro/2008

A ouvir: Drive, REM

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