Pavões e galos de Barcelos

Qualquer país que se preze tem de ter um animal como mascote, e os espanhóis têm o touro, os americanos a águia, e os portugueses o galo, mas não um galo qualquer, o de Barcelos, o tal que se levantou a cantar a plenos pulmões na mesa do juiz depois de ter sido cozido e assado (não no caldeirão, esse foi o João Ratão), e penso porque é que não escolheram os coelhos, são mais interessantes do que os galos, pelo menos são mais silenciosos — sim, o português é barulhento, é daqueles cães que ladram mas não mordem, é só ver todos os tugas que se prezem constantemente a barafustar e a dizer mal do Sócrates, o José, não o grego, mas fazer alguma coisa que é bom ninguém faz, só sabem dizer mal, aliás, deve ser uma característica intrínseca do nosso povo, a maledicência parece correr-nos no sangue, a par do saudosismo, do antigamente é que era bom, do no tempo do Salazar isto não acontecia, e realmente não acontecia, no tempo do Salazar quem abrisse a bocarra para dizer um ai ia logo ali para a António Maria Cardoso e depois para Caxias ou até mesmo passar férias a Cabo Verde, naquela estância chamada Tarrafal (que me perdoem os que lá estiveram, não quero ofender ninguém, é só o sarcasmo do Coelho Branco desencantado com a espécie humana a falar), e lá vai o tuga a dizer mal disto e daquilo e de fulano e de sicrano e de beltrano que ganham mais do que eu e que têm uma ganda vida, mas esquece-se de que a vida somos nós que a fazemos — não, não é o gajo de lá de cima, desenganem-se —, o anúncio aos pacotes de leite diz «se não gostar de mim, quem gostará?» mas o tuga prefere assumir o papel de Calimero, sempre a queixar-se, sempre à espera que sejam os outros a mexer-se, como a piada da lâmpada, em que para trocar uma lâmpada um gajo fica quieto a segurar na lâmpada enquanto os outros duzentos rodam a casa, e o galo de Barcelos, orgulhoso e de peito para fora como qualquer macho de pelos no peito (ou penas, neste caso), todo lampeiro a ostentar a crista, e agora pergunto-me de que é que o galo se orgulha, se agora até já há despertadores e ninguém precisa deles para acordar, quem tem o trabalho todo são as galinhas, e penso cá para com os botões de coelhinho se não está na altura de substituir o galo de Barcelos por um outro bicho ainda mais parecido com o bicho tuga, o pavão, que é igualmente inútil mas que gosta ainda mais de se mostrar, mesmo que passe fome e ande a dever dinheiro a Deus e a todo o mundo anda a mostrar o carro último modelo ou o telemóvel topo de gama (apesar de nem sequer saber trabalhar com ele e de gastar uma pipa de massa num aparelho de cujas funcionalidades não precisa), de estoirar dinheiro em roupas de marca só para mostrar o logótipo porque o que importa é mostrar, abre a cauda e mostra as penas, vira o rabo para se ver o logótipo das calças de ganga, e se pensarmos bem sempre foi assim, o português sempre gostou de se exibir, tanto ouro arrancado ao Brasil e desenvolvimento nada, a única coisa que daí restou foi aquele mamarracho pseudo-barroco/rococó em Mafra que ainda por cima está infestado de ratos e que só serviu para inspirar o Saramago, e o mesmo se passou com os fundos de coesão da União Europeia, que só serviram para comprar Mercedes e Audis e BMWs e formação que é bom nada, desenvolvimento nicles, e depois queixamo-nos dos espanhóis que açambarcaram tudo, fizeram eles muito bem, deveríamos ter feito o mesmo, e cada vez tenho mais vontade de lançar uma petição na Internet a favor da alteração do símbolo nacional, para podermos ostentar orgulhosamente um pavão em vez do galo de Barcelos.

15/Abril/2008

A ouvir: We Care a Lot, Faith No More

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