O almoço que vem de casa trouxe-me à ideia os tempos da
preparatória, dos piqueniques improvisados à hora de almoço por causa da
salmonela da cantina que só não comi porque tive a sorte de perder a nota de
quinhentos escudos que tinha levado na véspera para comprar a senha, e vai daí
a minha mãe, e as das outras miúdas da turma, em pânico e com medo das
intoxicações alimentares começa a preparar-me o almoço que levava na minha
Madona, um pacotinho pequeno de batatas fritas Super Douradas, uma tupperware
com panados ou uma sandes de qualquer coisa, mais o omnipresente pacotinho de Capri-Sonne de laranja que eu tentava
sempre não rebentar, e lá íamos o grupinho do costume, eu, a Anabela, a Xana, a
Andreia, a Carla e a Ana Carla, ainda que eu tenha ideia de a Carla Alice
também se juntar a nós mas não sei se será bem assim porque ela morava quase ao
lado da escola, dizia eu que nós, o grupinho do costume, arranjávamos um
cantinho atrás do salão polivalente da escola, sentávamo-nos num dos bancos de
betão e abríamos as nossas Madonas, a minha verde como não podia deixar de ser,
a da Andreia azul, a da Anabela e a da Ana Carla daquele cor-de-rosa pastilha
elástica e a da Xana, a mais rara de todas, branca com os fechos cor-de-rosa choque,
a Carla não tinha Madona, e lá íamos comendo o que tínhamos trazido de casa,
sempre a tagarelar como fazem as miúdas de dez e onze anos, a trocarmos
risinhos de cada vez que passava o André, um loirinho de olhos azuis por quem a
Anabela andava maluca, ou a enxotar os chatos da nossa turma, o Armando, o Albino,
o Girão, o Gustavo, o Luís Filipe, o Dinis, e se estivesse a chover era mais
complicado, tínhamos de nos enfiar todas dentro do polivalente, por acaso não
me recordo de nenhuma vez em que isso tenha acontecido, só me lembro da parte
boa, de um grupo de amiguinhas a almoçarem em conjunto a comida que tinham
trazido de casa, e não consigo deixar de pensar que se naquele dia os ovos da
maionese da salada russa não se tivessem estragado, talvez os almoços na escola
tivessem sido sempre tão anódinos e insípidos como a comida que nos era
servida.