Waterworld

Quem diria que dois dias depois do dilúvio que se abateu aqui sobre as sete colinas estaria este sol radioso que está lá fora, e agora andam todos a sacudir a água do capote no sentido literal da expressão, ninguém quer ser culpado do caos que se instalou, nem sequer o S. Pedro que agora até fechou a torneira lá de cima, mas limpar sarjetas que é bom, nem pensar, o que dá é construir construir construir até mais não até haver mais casas do que famílias, só que nem assim os preços baixam e qualquer casota de coelho custa sempre mais do que aquilo que se pode pagar por ela, mas lá tem de ser porque não dá para morar debaixo da ponte porque as pontes também não estão lá em muito bom estado, olhem só a de Entre-os-Rios, que já caiu há tantos anos e na altura também sacudiram a água do capote, enfim, e o preço das casotas continua pela hora da morte por mais que se construa, e até se constrói na várzea de Loures, um terreno tão fértil, tão fértil, tão fértil que até dá prédios, diz a piada, mas depois chove e toda a zona fica transformada num Waterworld a sério, não o do KC, embora este também tenha provocado estragos que talvez dessem para financiar o dito, coitado, que até faliu por causa do filme, devia ter-se ficado pelos lobos e pelos índios, que chatice, mas nos dias de hoje os patos-bravos é que mandam e a ordem é construir construir construir, mesmo que depois as casotas fiquem às moscas porque os coelhos não têm dinheiro para elas, e pergunto-me aqui para com os meus botõezinhos de Coelho Branco se os ditos patos-bravos não sofrerão de algum tipo de doença compulsiva e colectiva, e fico com a sensação de que, embora não tendo formação médica, descobri uma nova doença, o complexo Lego, que faz com que esses senhores não consigam parar de construir coisas, torres, casas, prédios, castelos, o que quer que seja, um vício doentio, e quando já não há mais terreno para construir destrói-se o que já havia para fazer outro, como a criança que desmancha a construção em legos para fazer outra coisa, como o Estoril Sol que foi abaixo para fazerem lá outra coisa, uns apartamentos estupidamente caros só para os muito ricos, e sei que em Portugal já houve muitos primeiros prémios do Euromilhões mas ainda assim para quê um apartamento quando se pode ter moradias com jardins e piscinas e espaço à farta para o cão e para o gato — de raça e muito caros, evidentemente — mas enfim, há gostos para tudo, e há que construir construir construir para as Câmaras terem dinheiro, porque senão não conseguem financiar a limpeza das sarjetas e depois quando chove fica tudo inundado e todos sacodem a água do capote do sentido literal da expressão…

20/Fevereiro/2008

A ouvir: Henry Lee, Nick Cave & P. J. Harvey

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