A morte de Bunny Munro

Bunny Munro, o caixeiro-viajante viciado em sexo e que dá uns certos ares de zezé camarinha, é uma daquelas espécies em vias de extinção, porque hoje em dia as vendas porta-a-porta estão em agonia, é um sinal dos tempos, o que se há-de fazer, já ninguém abre a porta de casa a estranhos, quer sejam os vendedores do Círculo de Leitores quer os brasileiros a tentar convencer-nos a aderir a serviços de internet e tv cabo e telefone e o diabo a quatro, não importa, vendedores porta-a-porta só mesmo as moças do tuppersex, e já nem as reuniões da Tupperware dão para nada, para quê gastar vinte euros numa caixa de plástico quando as há às toneladas nas lojas de chineses a um euro a dúzia e nas bancas de jornal como ofertas dos diários e revistas, e este Bunny inverosímil vende produtos de beleza a donas de casa desesperadas como se fosse uma jovenzinha da Avon, de cor-de-rosa dos pés à cabeça, com unhas rosa-pastel e laca Elnett a fixar o capacete de cabelo, loiro comme il fault, mas Bunny não se veste de cor-de-rosa, usa sim umas gravatas com os omnipresentes coelhos oferecidas pela mulher que se enforcou numa grade no próprio quarto de ambos, e não usa Elnett no cabelo e sim brilhantina, nem sequer gel, é mesmo brilhantina, o retro no seu melhor, com a poupinha à Elvis e tudo na cabeça, e aí vai este pintas pelas ruas adiante no seu Punto - não me lembro de que cor, mas apostaria que é amarelo -, mas adiante, não sou preconceituosa, o Bunny pode usar o cabelo como quiser e as gravatas que bem entender, isso não me faz confusão, o que me choca (ou talvez não) é a decadência presente em todas as páginas do livro, numa época em que a perfeição anda lado a lado com o horror, é-nos exigido sempre mais e melhor, que sejamos perfeitos, impecáveis, e por isso passamos o verniz, fingimos que somos efectivamente perfeitos, belos, inteligentes, felizes e tudo o mais, mas se arrancarmos a camada que nos reveste veremos que no fundo somos Bunny Munros a andar de porta em porta, não a vender produtos de beleza, mas sim em busca do belo, e aí vamos nós todos aperaltados, com gravatas aos coelhos ou não, à procura daquilo que gostaríamos de ter mas que de há tanto tempo perdido já nem sabemos como é.
22/09/2009
A ouvir: Nick Cave & The Bad Seeds, People Ain't no Good

Silly thought nº 1

O papão vem aí, mas há que ser positivo: não faltam os kits contra a gripe A compostos por máscaras, desinfectantes para mãos e vitaminas, e na minha opinião estão mal elaborados, já agora, se queriam fazer a coisa bem feita, teriam incluído folhetos da telepizza ou pizza hut ou qualquer outra de entrega ao domicílio para quando o pessoal estiver com fome e não puder sair à rua, é claro que depois o desgraçado do entregador pode apanhar o vírus mas na volta como é brasileiro não faz falta, de onde veio aquele vêm muitos mais, enfim, o que interessa é o cliente ficar satisfeito e o entregador que se lixe, e quem diz os da pizza diz os outros, que não nos deixam ficar mal quer faça sol ou chuva - e há uma relação directa entre a quantidade de precipitação e os pedidos de entrega de comida ao domicílio, só superada pela dos dias em que há jogo grande -, mas pronto, se virmos bem as coisas este vírus é um maná, não só para os laboratórios como para tudo o que é serviços online, ainda não se lembraram de um «Gripe A para Totós» mas não deve faltar muito, e a populaça vai ficando tão distraída com a ameaça do inimigo público número um (não, não é o John Dillinger) que se esquece dos verdadeiros problemas...