«Tricotar com pelo de cão»

Há dias vi um artigo divertidíssimo sobre livros estranhos e títulos mais estranhos ainda, e um era precisamente para ensinar a tricotar mas com pelo de cão, e outro ainda intitulado faça o seu próprio caixão — e pergunto-me por que carga de água iria ser eu a fazer o meu próprio sobretudo de madeira, para poupar uns trocos, para quê, não os ia levar no bolso para debaixo da terra, só se fosse para as minhocas irem às compras —, e há também um «manual para evitar navios grandes» como se eles andassem por aí a atacar pessoas nas esquinas ou surgissem de debaixo das folhas de alface nas sandes da Companhia das Sandes, e ainda «torne o seu cavalo à prova de bomba», e este até que devia ter a sua graça, se fosse sobre camelos em vez de cavalos talvez desse jeito no Médio Oriente, mas o cavalo não é propriamente o meio de transporte mais normal naquelas paragens, só se forem os dos motores dos Lamborghinis no Dubai, enfim, e pergunto-me como é possível que alarvidades dessas tenham visto a luz do dia, já me fazem confusão os livros de auto-ajuda que rendem milhões aos pseudoprofetas e evangelistas e gurus da treta que contratam ghostwriters para juntar num documento de word meia dúzia de lugares-comuns e chavões do tipo «querer é poder» e que foram retirar ao google, wikipedia e afins, e fiquei francamente horrorizada quando vi no fim de semana uma fulana a dizer na televisão «este livro mudou a minha vida» sobre uma coisa qualquer escrita por uma americana (who else?) armada em zen, para mim mudam é a vida de quem os escreve porque ganham dinheiro com isso, e vendo as coisas deste ponto de vista é claro que o Harry Potter mudou a vida da J. K. Rowling tal como A Sombra do Vento mudou a vida do Zafón, parece-me que estamos tão órfãos de ideias que buscamos desesperadamente qualquer coisa que nos acenem como os burros esfaimados a ver cenouras, mas voltando à história do pelo de cão agora é um vale-tudo para se aproveitar os materiais, e acho isso muito bem, é bom para o planeta e para a bolsa, só que depois os artistas fazem-se cobrar pelas ideias, há uns anos o meu cunhado agarrou num single de vinil e numa máquina de um relógio de cabeceira comprado na loja dos 300 e fez um relógio de parede espectacular com aquilo e anos mais tarde vim a ver a mesma ideia escarrapachada numa revista de decoração com a peça a custar 150 euros, as ideias pagam-se, mas pronto, se ele tivesse sido encorajado poderia ter sido ele a cobrar 150 euros pelo relógio feito com o single de vinil e a máquina que só custou 300 paus, é divertido ver como coisas simples custam enormidades, como uma simples moldura de 1 euro com uns quantos botões colados que fica a custar 15, enfim, lembro-me que em miúda fazia as roupas das bonecas e até arranjava a casa para elas, e até candeeiros de mesa de cabeceira tinham, com dois carrinhos de linhas onde colara caixinhas de papel frisado et voilà, que lindos candeeiros de brincar, mas pronto, já me estou a perder, hoje prezamos tanto a originalidade que por vezes só sai asneira, e realmente gostava de ver como seria uma camisola feita com pelo de cão, deve ser um bocado como uns grãos de café caríssimos que custam quase seiscentos euros o quilo e cujo sabor peculiar advém do facto de já terem sido comidos e depois excretados — leia-se «cagados» — por uns macacos quaisquer numa das ilhas da Indonésia, mas o marketing tem destas coisas, não sei se quem compra esse café sabe que antes de chegar à máquina já passou pelo cu de um macaco, e voltando ainda ao pelo de cão, o subtítulo diz que «é melhor ter uma camisola feita com o pelo de um animal em quem você confia do que de um carneiro que nunca viu», não sei se existem prémios Ig(nóbeis) da literatura como os que há para a ciência, se não há deveriam existir, o Diagram não chega, mas cheira-me é que esta história não é mais do que uma versão politicamente correcta dos 101 Dálmatas com uns pozinhos reaccionários pelo meio à la esquerda-caviar, que tem muita peninha dos bichinhos mas não dispensa os sapatinhos de crocodilo, e que advogam a integração dos ciganos e minorias étnicas e tudo e mais alguma coisa mas desde que seja longe das suas casas, porque «olha para o que eu digo mas não olhes para o que eu faço», e é melhor parar porque já me estou a perder, a cabecita de coelho não pára nunca de debitar ideias em catadupa, mas é realmente melhor parar de dar às patinhas não vá alguém lembrar-se de tricotar camisolas com pelo de coelho…

24/Julho/2008

A ouvir: Born of Frustration, James

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