«Eu não sou má, fizeram-me assim...»

A frase é de Jessica Rabbit, a ruiva com mais mamas e curvas do que cérebro com quem o roger teve a infeliz ideia de se casar, mas aplica-se a muitos casos, e a seguir à «querido-hoje-não-estou-com-dores-de-cabeça» deve ser a desculpa mais esfarrapada e usada para tudo e mais alguma coisa, «a culpa não é minha, é da sociedade, pobre de mim que até sou boa pessoa», essa mania de todos sacudirmos a água do capote e culpar os outros, foi-a-vontade-de-Deus-Alá-Jeová ou qualquer uma dessas criaturas que inventámos para arcarem com a responsabilidade, ou então foi o gajo dos cornos, Lúcifer, Satanás, Mefistófeles, o que quiserem chamar-lhe, a culpa nunca é nossa, se temos negativa a matemática não é por não termos estudado, não senhor, é da Ministra da Educação, a culpa é dela, ou em última análise é do Pitágoras que não tinha nada de ter inventado o raio do teorema, que chatice, porque é que não se dedicou antes à floricultura, e se estamos de mau humor e damos um tiro no meio dos olhos do condutor que se meteu à nossa frente na Segunda Circular ou se abrimos a cabeça a um gajo com um taco de beisebol (malditos dicionários novos, porque é que não posso escrever basebol como ficava bem, porquê aportuguesarem as palavras, a culpa é da LeYa!), estava eu a dizer que se abrimos a cabeça de um gajo com um taco na rua dos Fanqueiros só por causa de um bate-chapas a culpa é dos jogos de vídeo que nos tornam violentos ou do filho da mãe do médico que não quis receitar o Prozac, se se bebe até cair para o lado é por causa da publicidade — se fôssemos por aí todas as noites ficaria em coma alcoólico por causa das horas de anúncios a uísque (whisky!!!!!!! raio do dicionário novo) —, a menina rouba roupa de marca nas lojas, coitadinha, é a sociedade que a pressiona, as amigas têm e ela também tem de ter para não se sentir excluída, coitadinha, endividamo-nos para comprar o que não precisamos até nos tornarmos escravos dos bancos porque o telemarketing é tão apelativo, vá lá, tenha até trinta mil euros já para o que quiser, até para comprar uma banheira em ouro puro para a barbie da sua filha ou para o action man do menino, e os patos caem, queixamo-nos das leis deste país-que-está-cada-vez-pior-e-a-culpa-é-do-governo mas a principal lei a mudar deveria ser a lei do menor esforço, queremos as coisas mas esperamos que caiam do céu e quando não caem culpamos todos e mais alguns pela nossa falta de sorte, é mais fácil ficar sentados no sofá a lamentarmo-nos do que trabalharmos para conseguir alguma coisa, e por vezes dá-me uma enorme vontade de fazer aos pedintes o que o Patrick Bateman lhes fazia, que exagero, não deveria estar a dizer isto, a culpa é da crise, «eu não sou má, fizeram-me assim…», o mundo é uma selva onde todos querem ser leões e comer o que os outros caçam, a coisa mais fácil que há é estender a mão e esperar que lá caia alguma coisa, quem não chora não mama como se costuma dizer, aprendemos isso desde o berço, buáááááá quero leite quero colo quero bolachas quero brinquedos quero calças da Salsa quero um Iphone quero uma mota quero um carro quero um plasma quero um apartamento quero quero quero quero, e nunca estamos satisfeitos, queremos sempre mais, se assim não fosse não teríamos evoluído, teríamos ficado eternamente como os nossos primos macacos, é difícil sair dos guetos e dos bairros de lata e das barracas mas não é impossível, é tudo uma questão de esforço, é possível chegar-se ao topo mesmo tendo passado anos a estudar à luz das velas, há histórias extraordinárias que pessoas que ultrapassaram dificuldades inimagináveis mas que conseguiram, só que é mais fácil dizer «eu não sou má, fizeram-me assim…»

15/Julho/2008

A ouvir: Somewhere I Belong, Linkin Park

No comments:

Post a Comment