Botas verde-alface

Este fim de semana comprei uma coisa que nunca pensei em comprar: um par de botas verde-alface. Encontrei-as numa loja de chineses mesmo no centro de Portalegre, e confesso que não me passaria pela cabeça comprar calçado dessa cor, o que raio usaria para combinar com umas botas verde-alface, bicudas e de salto alto, mas o preço fez-me decidir comprá-las, uns meros cinco euros, e é claro que sei que não irão durar muito, e que daqui a uns tempos hão-de estar completamente desfeitas, só que ainda assim trouxe-as para casa, e de cada vez que olho para elas ponho-me a pensar em como é possível uma coisa destas, quanto é que pagarão à mão-de-obra que fez aquele par de botas, cortar as peças, cosê-las, meter as gáspeas nas formas, colar as solas e os saltos e depois embalá-las, se os salários já são tão baixos, e recordo-me de em tempos ter trabalhado durante dois meses no Verão para poder comprar os livros da escola porque as coisas estavam más, e lembro-me do que passei na altura, com um fulano mal encarado a cortar as peças com os moldes e o balancé, outro a fresear as bordas, e eu a passar cola de sapateiro nos bocadinhos todos para depois as gaspeadeiras juntarem as peças e cosê-las na máquina de gaspear, e depois de cosidas, queimar as pontas das linhas com uma vela, para depois passar as gáspeas para os sapateiros enfiarem nas formas e meterem os contrafortes para dar corpo ao sapato, e a seguir prendê-los às formas, pregados com preguinhos minúsculos, que eram retirados depois de os sapatos ou botas ou o que fosse ficarem a moldar-se dentro das formas durante vários dias, e a seguir meter os saltos, as viras, as palmilhas, as solas e afins, para a seguir lhes retirarem as formas e passá-los ao acabamento, para tirar os restos de cola, apertar fivelas, fechar fechos, enfiar e apertar os atacadores, e depois enfiar-lhes montinhos de papel para não amassarem e embrulhá-los em papel de seda para por fim serem enfiados nas caixas, e volto a perguntar-me quanto é que pagarão à mão-de-obra que fez aquelas botas verde-alface que custaram cinco euros...

31/03/2009

A ouvir: Human, The Killers

A Dora cresceu parte II

Pronto, e o resultado foi este:

A Dora cresceu

A Dora Exploradora cresceu, é verdade, fui confrontada com esse facto há uns dias, ao abrir um site qualquer e ao dar de caras com uma imagem de uma adolescente esguia e cabelos compridos, em vez da pirralha rechonchuda e com ar inocente a que nos habituamos; ao que parece, os criadores entenderam que a personagem deveria crescer para poder competir com as Bratz, e de facto, se olharmos para a nova Dora, ela parece acabada de sair de um daqueles programas estilo Extreme Makeover, e já não tem aquela expressão de menina espertinha que anda sempre com a Backpack, uma versão mais actualizada do saco do Sport Billy, e com o macaquinho Boots à ilharga, e pergunto-me porque raio é que fizeram isso à miúda, é certo e sabido que as crianças crescem, mas porquê a Dora, se a Barbie já fez cinquenta anos e continua ali enxuta e com as curvas todas no sítio, se a ideia é as personagens evoluírem, então pela ordem natural das coisas a Barbie deveria agora ter as pernas cheias de varizes por causa dos saltos exageradamente altos, o cabelo mais ralo e as mamas mais descaídas e bem mais pequenas, já para não falar naquela cintura irreal, enfim, e então o que dizer do Ruca, se o raio do puto já tem uma idadezinha e ainda continua mais careca que um ovo, será que os meninos nunca se interrogaram acerca do porquê da careca, tipo «ó mamã, porque é que o Ruca tem a cabeça rapada, é por causa de um cancro ou na terra dele é moda?», e o Noddy, o insuportável Noddy, mais velho ainda do que a Barbie e sempre criança como um Peter Pan que está sempre a ser levado à certa por todos, que raio de exemplo é que ele dá aos miúdos, se só faz asneiras, mas pronto, e voltando à Dora, pergunto-me se ela terá trocado a Backpack por uma Eastpack ou outra marca qualquer de mochilas, e se lá dentro traz coisas tipo baton, iPods, pens em vez de cadernos escolares, Kindles em vez de livros, enfim, se ela é mesmo uma adolescente como as outras, obcecadas com marcas e roupas e rapazes e dietas e afins, não entendo por que razão alteraram a imagem da Dora e não fazem o mesmo com os outros, substituir aqueles calções ridículos do Noddy por calças de ganga de cintura descida como os adolescentes de hoje tanto gostam de usar e que deixam à mostra dois terços do rabo, e aquele gorro com guizo por um boné de marca, porque não, e já agora os sapatos vermelhos por umas All Stars, e rapar-lhe o cabelo de maneira a fazê-lo parecer um bollycao, mas voltando à Dora, por que razão não a deixam continuar a ser criança, a saltitar com a Backpack e o Boots e a sorrir alegremente, preferindo torná-la numa tween de cabelos compridos e formas arredondadas, porque senão estariam a incentivar a anorexia, enfim, mas também não podia continuar com aquele ar gordinho porque incita a obesidade, e pergunto-me se esta mudança de imagem não será uma consequência do efeito Lolita, que faz com que o sexo esteja cada vez mais presente na vida das crianças, tornando-as objectos sexuais cada vez mais cedo, basta olhar para as roupas que hoje se fazem, como as que eu mesma acabo por comprar para o meu monstrinho das bolachas, a dizer, por exemplo, «I’m so cute» ou «Kiss me I’m a prince charming», ou as minissaias para bebés de fraldas e biquínis reduzidos para fedelhas de 3 anos, talvez esteja a ser alarmista demais, mas acho que o culto da juventude começa a ultrapassar um bocadinho as marcas…


23/03/2009
A ouvir: Maria, Blondie

Morangos de Inverno

Ao escrever um pequeno texto sobre agricultura biológica, lembrei-me dos morangos que costumava comer em miúda e que eram cultivados nuns vasos improvisados em latas de cola velha cortadas ao meio e que eram enchidas com terra, e esses morangos eram bem mais pequenos do que aqueles que vemos hoje à venda, que são enormes mas sabem a água, os morangos de inverno que eu comia e que eram plantados nas latas de cola eram doces e pequeninos, e lembro-me de andar todos os dias a procurar entre as folhas das morangueiras a ver quando é que encontrava algum vermelho e maduro que pudesse comer, os morangos não eram tão vulgares e banais como hoje e na altura encontrar um maduro era quase como encontrar um rubi, eram absolutamente preciosos, mas hoje já perderam o valor, tornaram-se uma coisa como tantas outras, já não existem apenas em determinada altura, estão à venda todo o ano, e parece que além de terem perdido o sabor perderam o encanto, deixaram de ser preciosos e são agora umas coisas vermelhas a saberem a água, talvez porque agora não os vou buscar às latas da cola cheias de terra, onde por vezes deparava com um ou outro caracol a deambular pelas folhas das morangueiras, enfim, os morangos, tal como muitas outras coisas, perderam o seu encanto, porque já não é preciso procurar pelos rubis vegetais pequeninos e doces...

07/03/2009

A ouvir: The 80's, David Fonseca