Retrato do artista enquanto génio

Certa vez, e a propósito de Bruce Chatwin, um jornalista disse-me que era uma pena que ele (o Chatwin, não o jornalista) tivesse tão mau feitio, porque era verdadeiramente genial, ao que contrapus «conhece algum génio que não o tenha?», e de facto ele ficou sem palavras e encolheu os ombros, é mesmo assim, não se pode ter tudo, para se conseguir ser muito bom em alguma coisa temos de abdicar do resto, esta vida é mesmo assim, lixada, a arte é uma amante egoísta que exige dedicação total, não é preciso chegar ao extremo do rouxinol do conto do Wilde mas ainda assim é preciso muito sacrifício para se alcançar a glória, é difícil passar horas, dias, semanas, meses, estoicamente em frente a um computador ou de uma folha de papel à espera da frase perfeita, aquelas combinações de palavras e de frases que nos eternizam, não há quem aguente e daí as explosões de mau génio provocadas pelas frustração de não se conseguir roubar o fogo aos deuses que nos tornará eternos, as clausuras em absoluto silêncio, a solidão constante que a amante egoísta exige e que não deixa espaço a nada nem ninguém a não ser à arte, o desejo de se conseguir algo de belo é tal que nos sufoca e agoniza e nos torna prisioneiros de nós mesmos, basta ler as biografias de alguns artistas para se saber a que me refiro, Picasso, Goethe, Dali, Virginia Woolf, Bukowski, Hunter S. Thompson, Pessoa, Van Gogh, Antero de Quental, Sylvia Plath, J.M. Barrie, Gershwin, Sartre, Vergílio Ferreira, tantos, tantos, tantos, é tão difícil conviver com o Prometeu que habita dentro de nós, e mais difícil ainda para os outros conviver com os génios, com o lendário mau génio dos génios, enfim, hoje estou com outro ataque de mau feitio e é melhor parar de dar às patinhas antes que me acusem de pretenciosismo...
19/12/2008
A ouvir: Still Haven't Found What I'm Looking For, U2

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