Belas e monstros

Um dos maiores mitos que nos inculcaram desde pequenos é o do monstro que não consegue resistir aos encantos da bela, e não me refiro unicamente à história propriamente dita, mas também às inúmeras variações que teve e tem, como o King Kong que mesmo sendo uma besta de todo o tamanho acaba rendido a uma loira, mas pronto, basicamente a história reza que há sempre um bicharoco muito mau que se comove ante uma beldade que lhe toca o coração e o faz derreter por dentro mal os seus olhares se encontram, e por mais versões que se façam da história há sempre um denominador comum, que é o facto de a donzela em causa ter tanto de bela como de boa, boa no sentido de bondosa e não de boazona, e isso é mesmo conversa de contos de fadas porque na realidade ou se é boazinha ou boazona, são virtudes incompatíveis, e se virmos bem as coisas para que é que as boazonas precisam de ser boazinhas, têm tudo o que querem à mesma, há sempre um monstro que se deixa embevecer por elas, enquanto que as boazinhas são-no talvez por não terem outra alternativa, se a Cinderela fosse uma estúpida pedante ninguém teria pena dela, imaginemos uma Bela com medo de partir uma unha enquanto limpava a casa ao Monstro, e que dizer de uma Branca de Neve peneirenta sempre a ver-se ao espelho e a troçar constantemente com os anões por serem tão baixinhos, o que me leva a concluir que boazinhas boazonas só mesmo nas histórias da carochinha (outra história de belas e monstros se tivermos em conta as proporções da dita e do João Ratão), já a outra dizia que as raparigas boas vão para o céu e as más para todo o lado, e não me recordo quem é que se gabava de «quando sou boa, sou boa, mas quando sou má sou ainda melhor» — gabo-me de não recorrer a citações mas por vezes a falta de imaginação leva-me a usar as palavras dos outros —, e pergunto-me o que aconteceria se as belas por dentro e monstros por fora tivessem oportunidade de serem más, disseram-me noutro dia que as boazinhas só o são por falta de opções, geralmente são tão monstros que a única maneira de se destacarem é sendo belas por dentro, pelo menos as boazonas são mais honestas, assumem o que são, as boazinhas não passam de um bando de falsas, e assim sendo, fico sem saber ao certo quem é a bela e quem é o monstro…
04/12/2008
A ouvir: Luz Vaga, Mesa & Rui Reininho

1 comment:

  1. Viva.
    Engraçado, o texto.
    Realmente a imagem da boazinha e a da boazona não são muito compatíveis, não.
    Já tenho mais facilidade em imaginar uma cidadã pouco dotada fisicamente e com um feitiozinho... desagradável. Outras não: são as boazinhas. Mas sempre têm essa opção, a ser assim.
    A boazona, coitada, acaba por se ver impedida de ser várias coisas: se, além de boazona, tentar ser boazinha, logo dirão que está a armar-se em boa. Se além de corpo tiver algum cérebro e isso se começar a evidenciar, não faltará quem deixe de a ver com bons olhos (há vários exemplos conhecidos).
    É um martírio, digo eu, ser boazona.
    Mas não falta quem as queira amparar.

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