Something old, something new

De há alguns anos para cá, talvez para contrariar o correr dos minutos, tem havido uma nítida preferência dos consumidores por coisas novas com aspecto retro ou vintage ou lá o que quiserem chamar-lhe, mas com as funcionalidades do dias de hoje, e em Inglaterra chamaram a este fenómeno retrolution, ou retrolução, desculpem-me o neologismo mas não encontro melhor termo, e acho que isto começou de mansinho com a reedição dos famosos carochas pela VW que afinal pouco tinham que ver com os originais — o original é sempre melhor, parece chavão de uma publicidade qualquer mas é verdade —, e depois foi a Chrysler a criar um modelo que em tudo fazia lembrar os carros antigos dos anos 40, e agora há aqueles frigoríficos a imitar os dos anos 60 mas lacados com cores berrantes e com a eficiência energética dos dias de hoje, ou então algo que é mais notório fora do país, com casas e palacetes antigos recuperados e com a mais-valia do aquecimento central e do ar condicionado e do recuperador de calor e essas coisinhas todas, e que dizer das tendências de moda que recuperam as roupas do tempo das nossas avós e chamam-lhes vintage e que custam verdadeiras fortunas, será que o Fukuyama tinha razão e chegámos ao fim da história e não há mais nada para inovar, e agora é preciso reutilizar as ideias que já existem, será que é uma questão de falta de recursos ou não passará de uma epidemia de preguiça colectiva, «para-quê-inventar-coisas-novas-se-uso-as-que-já-existem-e-chamo-lhes-retro-ou-vintage-ou-outra-coisa-qualquer-e-todos-vão-achar-que-é-o-máximo», enfim, já nem sei o que estou para aqui a escrever, parece que o tempo passa tão depressa que estamos a fazer tudo para nos agarrarmos ao passado, como nos filmes de cowboys — cóbois de acordo com o dicionário novo — com as diligências a tentarem fugir aos bandidos e eles agarrados às traseiras e a serem arrastados pelo chão, é curioso ver que nos anos 60 e 70 era tudo com aspecto tão futurista e inovador e agora que estamos no futuro e na era da inovação queremos voltar atrás, carregar no botão rewind ou mesmo no stop mas não dá, o relógio, o nosso maior carrasco, continua sempre com o seu impiedoso tique-taque-tique-taque-tique-taque-tique-taque, e nós, os peõezinhos deste xadrez macabro continuamos a olhar para a miragem do passado e a querer fugir aos ponteiros implacáveis que nos apertam e oprimem.
13/11/2008
A ouvir: Ship of Fools, Erasure

1 comment:

  1. Frutos directos da cena retro:

    miúdos com casacos iguais a cortinados e/ou panos da cozinha e/ou aquela-manta-horrível-em-casa-daquela-tia-que-ninguém-quer-visitar, miúdos com o cabelo-capacete lambido contra a testa, miúdos com ténis iguais aos casacos, miúdos namorando miúdas iguais a eles tendo apenas os casacos mais curtos e as calças mais justas e a e o cabelo mais comprido,

    esta sopa de juventude iletrada, irritante, insípida, imprópria para consumo, icterícica, invariavelmente insurportável, idiótica, indistintamente insuportável, infelizmente altamente reprodutiva, enfim, estes súcubos só nos mostram que "retro" é obra maléfica.
    Aliás, vade RETRO, belzebú!. Já a Margarida Rebelo Pinto dizia (sim, foi a única): não há coincidências.


    A ouvir: "Ellen West", Throwing Muses (é uma beca retro...)

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