Encontros Fictícios - Valmont, Les Liaisons Dangereuses

O baile de máscaras estava já animado quando cheguei. Fui conduzida ao salão, com o roçagar do meu vestido a ser abafado pela música e pelos risinhos de um grupo de donzelas que conversavam aos sussurros sentadas numa otomana.Seguravam as máscaras por forma a taparem os rostos, mas ainda assim reconheci uma delas pela voz: Cecile de Volanges, quase uma criança, que saiu há pouco do convento. Saudei-as com uma inclinação de cabeça e elas retribuíram. Continuei pelo corredor adiante em direcção ao salão de baile, a segurar a minha máscara branca em forma de focinho de coelho, com orelhas felpudas e tudo, que a minha aia me confeccionara com lã de Caxemira e algodão das Índias.No salão de baile, cheio de gente, as damas arrastavam os vestidos atrás de si e tentavam equilibrar as perucas empoadas em cima das cabeças, que só muito a custo conseguiam manter direitas, mercê do elevado peso das perucas e dos penteados elaborados.
Foi então que o vi. Valmont.
Era o único homem com o rosto a descoberto, facto que só por si lhe conferia uma aura de sedutora ousadia. Orgulhosamente direito, com uma casaca de veludo castanho-escuro bordada a fio de ouro e com botões de topázio, os olhos brilhantes como os de um bufo à procura de uma presa, o visconde intimidava qualquer pessoa que olhasse para ele.Ao ver os olhos dele encontrarem os meus, senti subitamente o meu espartilho a ficar mais apertado, e um fogo percorreu-me as faces ao vê-lo encaminhar-se para mim.
— Boas noites, madame Lapin Blanc — cumprimentou-me inclinando a cabeça e pegando delicadamente na minha mão, onde depositou um beijo cortês.
— Senhor Visconde — retribuí, baixando recatadamente os olhos. — Como me reconhecestes?Os lábios dele abriram-se num sorriso enigmático e ao mesmo tempo revelador.
— Só vós teríeis a ousadia de exibir uma máscara como a que trazeis, em vez da comum mascarilha escolhida pelas mulheres desta sala.
Não pude evitar sorrir também, ao recordar a expressão de horror e assombro de Sylvie, a minha aia, quando lhe encomendei o serviço.
— E vós? — perguntei-lhe. — Porque não estais mascarado?
Valmont hesitou um pouco antes de me responder, como se medisse as palavras.
— Não me agradam as máscaras — disse por fim. — O verdadeiro cavalheiro nunca oculta o rosto, para que possa olhar sempre de frente para os seus inimigos. E muito menos recorre a engodos e disfarces para fazer-se passar por aquilo que não é.
Anuí, e contrapus:
— Muita gente não pensa assim a respeito de vós.
Ele arqueou uma sobrancelha, divertido.
— Ai sim? E o que pensam então a respeito de mim?
Escolhi cuidadosamente o que dizer antes de abrir a boca.
— Dizem que sois falso, manipulador e perverso, e que apenas pensais em satisfazer a vossa luxúria sem vos importardes com os sentimentos ou a honra das mulheres que seduzis.
Valmont deu uma gargalhada, mas logo de seguida ficou muito sério.
— Pois então mentem!
Assustada, apressei-me a desculpar-me pela minha ousadia:
— Peço-vos perdão, senhor Visconde, mas limitei-me a responder à vossa pergunta, e lamento que o resultado vos tenha ofendido.
— Não, não me ofendestes, madame Lapin Blanc, de todo. Eu importo-me com os sentimentos das mulheres, e a palavra-chave aqui é «mulheres», plural. Muitas das observações negativas a meu respeito devem-se unicamente ao ciúme e orgulho ferido de mulheres que pretendiam caçar e acabaram caçadas.
— Em certa medida concordo convosco — disse-lhe —, mas o facto de serdes visto na companhia de cortesãs como a marquesa de Merteiul, por exemplo, não abona nada a vosso favor. Nunca pensastes em dedicar-vos unicamente a uma só mulher?
Valmont voltou a sorrir.
— Madame — sussurrou —, falais de alguém em concreto? Talvez… de vós?
Estremeci com a ideia. Tive vontade de girar nos calcanhares e desatar a correr, mas como o fazer sem me comprometer? Em vez disso, retorqui:
— Não, senhor Visconde. Não me agradaria ficar com o que já passou pelas mãos de tanta gente. — O rosto dele contraiu-se num esgar de raiva e, encorajada pela expressão dele, continuei: — Além disso, sou mulher de um homem só. Nada se compara à felicidade de ver o nosso rosto reflectido nos olhos de quem amamos, e tenho pena de vós, pois sei que nunca ireis experimentar tamanha alegria. Muito boa noite, senhor Visconde. — Inclinei novamente a cabeça num gesto de despedida e retirei-me.
12/04/2009
A ouvir: Love Etc., Pet Shop Boys

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