Encontros Fictícios - Alex, A Clockwork Orange

Confesso que quando o vi no átrio do hotel, Alex não era nada como eu o tinha imaginado. A imagem que tinha dele era a das fotografias dos jornais da época, um adolescente esquálido, magricela e de olhos castanhos muito grandes e profundos, mas quem estava à minha frente era um homem de meia-idade, já meio careca, algo barrigudo e com o rosto vincado por algumas rugas. Somente o chapéu de coco que segurava nas mãos trémulas correspondia à minha imagem mental dele.
- Senhora Coelho - cumprimentou-me estendendo-me uma das mãos, que apertei. - Disseram-me que pretendia govoritar comigo.
Sorri. A linguagem nadescente já se encontrava em desuso, mas ainda assim conseguira encontrar um dicionário da altura e sabia que «govoritar» queria dizer falar.
Anuiu com a cabeça.
- Não sei se lhe explicaram o porquê do meu pedido.
- Sim, o meu cheloveco contou-me que você rabita numa gazeta e que quer escrever sobre a minha rascás.
Tive de pensar algum tempo até compreender o que ele dissera. Quem me dera que houvesse aqui um serviço de tradução simultânea...
- Gostaria de saber como tem sido a sua vida nos últimos anos, depois de ter sido submetido ao tratamento.
Ele endireitou-se na cadeira, preparando-se para falar.
- Importa-se que fume um cancerilho? - perguntou-me tirando um maço de Marlboro do bolso.
Recordei-lhe delicadamente que não era permitido fumar naquele local e ele voltou a metê-lo no bolso.
- Sabe, desde que aquele médico me varitou, nunca mais consegui videar as coisas da mesma maneira. - Calou-se e fez sinal ao empregado. - Quer um sumodouro?
- Só se for um café.
Ele vira-se para o empregado.
- A chena quer uma tassa de café, e para mim pode ser molco. Sem sácar.
O homem olhou-o surpreendido e eu traduzi: um café e um copo de leite, sem açúcar.
- Não devia beber café - diz-me Alex. - Faz-lhe mal à galiva...
- Obrigada pela preocupação. Mas estava a dizer...
- Quando eu era máchico e a milicem me luvetou e levou para a penies, tive muita raza para pensar. Poniei que quando itasse de lá, ia ter de rabitar e prodar qualquer coisa. Entretanto, uma shaica ubivatou os meus progenetas, e depois, como não tinha denque, arranjei um rabito num cantór.
- E quando é que teve a ideia de se dedicar ao estudo da língua nadescente?Alex empertigou-se todo.
- Para nascinar, não se trata de uma linguagem. Trata-se de um conjunto de eslovos usados pelos nadescentes quando govoritam entre si.
- Certo - disse-lhe -, mas com o tempo foi adquirindo um estatuto de língua, um pouco à semelhança da linguagem sms dos jovens da actualidade.
- Isso é uma chapouca - respondeu-lhe Alex. - Os bezúminos que dizem isso não passam de bratachenos nademénios. Os debóchecos e debóchecas de hoje usam uma protolinguagem sem qualquer significado. Não têm um pingo de méssel; usam esses eslovos até na escoliosa, só que é unicamente para poupar raza.
- Portanto, está a querer dizer que a linguagem sms é usada pelos jovens para poupar tempo para o que lhes interessa, por causa do ritmo de vida acelerado de hoje, e também porque simplesmente dá trabalho escrever as palavras correctamente... - conclui.
Ele dá uma gargalhada.
- Não me faça desmecar! E agora ainda vêm aqueles bratachenos da política com a rascás do acordo ortográfico. Para quê? Acham que os debóchecos e debóchecas vão esluchir o que eles govoritam? Se querem mudar os eslovos tem de ser com raza, aos poucos. A língua não se pode mudar por sovietos.
Tive de concordar com ele: a língua tem de evoluir, isso é certo, mas aos poucos; não se pode mudar por decreto, hoje é assim mas amanhã por causa da lei x/999/yht é assado... Voltei a insistir:
- Mas diga-me uma coisa, Alex. Como irá escrever depois da entrada em vigor do acordo?
Durante algum tempo ele fica pensativo, e depois responde:
- As luídes podem grichar, mas no fim vão poniar que não serve de nada e o que vai esluchatar é que vão todos fazer o que lhes mandam como uma grupa de carneiros. Grichar não vai provideitar a nada...
22/04/2009
A ouvir: Savior, 30 Seconds to Mars

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