O que queres ser quando fores grande?

Quando tinha sete anos e me perguntavam o que queria ser quando crescesse, as respostas variavam consoante o meu estado de espírito. Passei a fase de bailarina, apesar de ter tanto jeito para a dança como um rinoceronte com os copos. Passei pela fase da princesa, numa era de deslumbramento com o recente casamento de conto de fadas da Diana, sem saber ainda o que eram papparazzi que perseguem as pessoas famosas até à morte. Passei pela fase da cozinheira, numa altura em que ainda não se falava de Gordon Ramsey nem Jamie Oliver nem Nigella Lawson nem Ferran Adrià nem nada do género, só mesmo do chefe Silva de chapéu alto e ar soturno nas capas da Teleculinária (não, o Goucha ainda não se dedicava aos pratos nessa altura), e fazia os meus pratos com terra e areia e saibro, com bugalhos e pétalas de flores e folhas, ocasionalmente alguns grãos de milho e arroz que surripiava à socapa da cozinha, e usava o meu trem de panelas branco com asas pretas e tampas vermelhas, não umas panelas XPTO que até dizem «papá» e «mamã». Passei pela fase do presidente da República, já desencantada com a classe política em geral e cheia de vontade de mudar o statu quo. Passei pela fase da escritora que haveria de ser a primeira pessoa em Portugal a ganhar o Nobel da Literatura, mas ainda que a fase não tenha passado de todo o José Saramago adiantou-se e pelo menos uma parte do desejo já não poderá nunca ser cumprida. Passei pela fase de astronauta, ainda que um bocadinho mais tarde, fruto da comoção com a explosão do Challenger. Também essa me passou, há que ser realista, seria virtualmente impossível uma miúda de S. João da Madeira chegar à NASA e ir para o espaço, no sentido literal da expressão, e por isso também esse sonho foi para o espaço, agora no sentido figurado. Depois vieram outras, da médica que ia inventar a cura para a sida, de palhaço, muito por culpa de uma fantasia de carnaval, de cabeleireira, ainda que não tenha pachorra nenhuma para os cabelos e os meus são o vivo espelho disso, e uma infinidade de outras coisas que agora não me ocorrem.
Por isso fiquei com um tremendo nó na garganta quando ouvi o meu monstrinho das bolachas de sete anos, em conversa de almofada com o pai, dizer que tem receio de, quando for grande, vir a ser desempregado e de não conseguir arranjar emprego quando crescer. E fiquei a pensar que há medos maiores que o bicho-papão, o lobo mau, o homem do saco ou o que quer que usassem para me assustar quando era uma miúda de sete anos que sonhava ser bailarina, princesa, cozinheira, presidente da República, escritora, astronauta, médica, palhaça, cabeleireira ou uma infinidade de outras coisas. Há outros monstros, estes sim, bem reais, a tirar o sono e os sonhos às nossas crianças de sete anos.

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