«Não têm pão? Que comam bolo!»

A frase foi dita por Maria Antonieta (não, desenganem-se, ela não falou em croissants, apesar de ter sido ela, uma austríaca, a levar para França aquilo que é hoje considerado um ex libris gaulês), e ontem ao deambular pelos corredores de um Continente lembrei-me dela, já que quis armar-me em saudável e comprar pão escuro e com sementes, mas que raio de ideia a minha, em tempo de crise querer comer pão, onde é que isso já se viu, isso é coisa fina, dizia eu que queria comprar um pacote com um pão escuro e com sementes, até que olhei para a etiqueta do preço, uns insultuosos 1,99 €, e pensei «bolas, isto está caro» e pousei o pacote, e não teria pensado mais nisso se não tivesse olhado fortuitamente para a bancada em frente onde se alinhavam caixas e caixas de bolos embalados, fatias de bolo mármore a pingar gordura, bolos de arroz luzidios de margarina, e até pastéis de feijão em caixinhas de plástico com uma dúzia, e foram estes últimos que me indignaram de sobremaneira, porque custavam menos 50 cêntimos que um pão saudável feito com farinha não refinada, com farelo incluído e tudo, e umas sementinhas à mistura, e pensei que realmente a Maria Antonieta é que tinha razão, o melhor mesmo é comer bolo, que até é mais barato que o pão, mas ainda assim por descargo de consciência comecei a analisar os preços dos outros pães expostos, incluindo quatro fatias de um pão alentejano por 1,80 €, enfim, os bolos industriais a pingar gordura é que são bons, para quê dar à criancinha um pãozinho com manteiga ou fiambre ou queijo ou mesmo compota quando se pode dar-lhe um bolo, se dá menos trabalho pegar no dito e meter-lho à frente do que pegar no pão, agarrar numa faca e meter-lhe qualquer coisa lá dentro, que chatice ter de perder esses trinta segundos — o nosso ritmo de vida é cada vez mais acelerado mas acho melhor dispensar esses trinta segundos do que depois ir perder horas aos consultórios médicos em consultas de nutrição e tratamento da obesidade —, mas pronto, ainda pensei que o defeito seria do Continente, que atribuem preços estapafúrdios aos produtos a seu bel-prazer, mas ao chegar de manhã à cafetaria da empresa paguei por um simples pãozinho com manteiga apenas menos 5 cêntimos do que por uma bola com creme (com a entrada em vigor do Acordo Ortográfico vai ser assim que vou passar a designar as bolas-de-berlim que passarão a ser bolas de Berlim mesmo que sejam feitas em Alguidares de Baixo), e uma vez mais isto leva-me à Maria Antonieta e à sua declaração tão criticada que lhe custou a cabeça no sentido literal, «não têm pão? Que comam bolo!»

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