Ai que tristeza, coitadinha

Não, não é a música d’ A Caruma, mas sim a Amy Winehouse que foi fazer tijolo este fim-de-semana, para grande pena dos fãs. É sempre triste quando uma pessoa de vinte e sete anos morre, seja ela cantora ou mulher a dias, mas confesso que estou farta da versão da coitadinha. Diz a minha mãe que «o mais mau é começar» (sic) e tem toda a razão. Libertarmo-nos de um vício é sempre difícil, sendo que o grau de dificuldade depende de uma enormidade de factores, desde o tempo de duração à força de vontade que a pessoa tem de se livrar das grilhetas. No entanto, ninguém cai num vício por obrigação — todos temos SEMPRE a possibilidade de dizer que não. É difícil a um alcoólico inveterado dizer que não a um copo — difícil, não, impossível, admito —, mas até chegar a alcoólico inveterado teve enésimas oportunidades de dizer «não, já bebi que chegasse», ou «não, obrigado, não quero», e o mesmo vale para as drogas, o jogo, ou o que quer que seja. É que eu duvido que alguém tenha amarrado a coitadinha da Amy a uma marquesa e injectado heroína repetidamente, ou que lhe tenham enfiado um funil pelas goelas como fazem aos gansos e despejado álcool em quantidades industriais. Claro que há determinadas circunstâncias que podem conduzir as pessoas ao vício — não é só o doutor House, uma personagem de ficção, que se vicia em Vicodin para mitigar as dores atrozes, há muitos casos reais de pessoas que acabam por se viciar em analgésicos. Mas regra geral, é sempre a pessoa a dar o primeiro passo, a aceitar aquela passa no charro, a linhazita de coca, a pastilha para aguentar a noite toda a dançar, e como é hábito, «a ocasião faz o ladrão». Está ali disponível, porque não? É só uma vez, porque não? Não faz mal aos outros, por que razão haveria de me fazer a mim? Se os outros conseguem, porque não eu?
Por isso é que esta história da coitadinha da menina que bateu a bota por causa de tanta porcaria que meteu para dentro não me choca. Tinha talento, é certo, mas e daí? O talento é uma desculpa para o abuso de drogas, ou, mais grave ainda, será que ser drogado é condição sine qua non para se ser músico? E depois há a questão do mito dos 27: o grupo de músicos talentosos que foram desta para melhor com vinte e sete anos, o Brian Jones, o Jim Morrison, a Janis Joplin, o Kurt Cobain, o Jimi Hendrix, e outros que não fazem parte do clube mas que desapareceram igualmente de forma trágica — o Hutchence e o Jeff Buckley, só para citar dois deles.
Não foi inesperado. As figuras cada vez mais tristes sucediam-se, e à tentativa dos pais desesperados de a internarem para desintoxicação foi ridicularizada com o seu «they tried to put me on rehab, but I said no, no, no». Há muitos viciados — não apenas toxicodependentes, note-se — que gostariam de ter uma oportunidade de se livrarem do vício, e nunca a têm, acabando por morrer com agulhas espetadas nos braços ou com o fígado rebentado do álcool ou com uma embalagem de comprimidos no bucho por terem contraído demasiadas dívidas com o jogo e acharem que a única saída é o suicídio, por exemplo. Mas há quem procure ajuda. Há quem se esforce. Há quem peça ajuda. Há quem tenha esperança numa saída.

E há aqueles que não querem. Há aqueles que dizem «tentaram levar-me para a desintoxicação, mas eu disse não, não, não». Deu uma música gira, de facto. E o «coitadinha» também.